23 de abr. de 2014

UM ESPELHO CHAMADO JEJUM

Um espelho chamado jejum


Essa quaresma foi proveitosa e aprendi – de modo pessoal – um grande valor escondido na prática do jejum. Já me questionei inúmeras vezes o porquê de se jejuar, qual a lógica de “passar fome”, pois desta vez encontrei um grande espelho na prática do jejum.

Mas, como assim um espelho?

Vejamos a partir de uma famosa frase de C. S. Lewis (sim, o autor de Crônicas de Nárnia): “Se você está à procura de uma religião que o deixe confortável, definitivamente eu não lhe aconselharia o cristianismo”. Poderia encerrar a explicação por aqui, mas carece de mais. Alguém poderia perguntar: “por que o cristianismo é uma religião que não me deixará confortável? Que loucura! Eu sempre aprendi que o cristianismo é a religião que prega o amor, que Jesus era um homem tão carismático e grandioso!”. Sim, você está correto. Jesus realmente prega o amor. O problema é o que se compreende por amar. O amor que Jesus prega é o amor ágape e a atitude de se submeter à kénosis (esvaziamento de si mesmo).

Assim como os Filósofos Gregos e os Espiritualistas Egípcios, também os Padres da Igreja ensinavam que para conhecer a Deus é preciso conhecer a si mesmo e o instrumental para isso é a kénosis. Qual a melhor forma de conhecer a si mesmo? Seria olhar para si em um espelho que não reflita apenas superficialidades? Exatamente!

O relato do capítulo 4 de Mateus diz: “Jesus foi conduzido ao deserto pelo Espírito, para ser posto à prova pelo diabo. Ele jejuou durante quarenta dias e quarenta noites. Depois, teve fome. O tentador aproximou-se e disse-lhe: ‘Se és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães!’ Ele respondeu: ‘Está escrito: Não se vive somente de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus’!”

A narrativa anterior é o batismo de Jesus por João Batista e logo em seguida dá-se início à sua vida pública e o anúncio do reino. Por que o Espírito é tão mal? Por que fez isso com Jesus? Ora, somente na precariedade é que o homem demonstra verdadeiramente quem é, qual a essência que domina seu coração, e, desnuda toda a imagem embaçada e torta, a qual engana os olhos humanos. E Jesus demonstrou que estava pronto; que a essência de seu coração era a palavra de Deus, a vontade do Pai. É muito fácil ser caridoso e bom quando se está na comodidade, no conforto, quando não há nada que te tire do sério: “Se amais somente aqueles que vos amam, que generosidade é essa? Até mesmo os pecadores amam aqueles que os amam” (Lc 6, 32).

O cristianismo quando levado a sério rompe com o véu que esconde o coração do homem e o introduz no templo, purificando-o de sua animalidade. Esse processo é dolorido e nada confortável, o que explica a frase de C. S. Lewis, mas além do sofrimento da Cruz está a ressurreição em Cristo, está a vida eterna.

Portanto, quão poderoso é o jejum que nos tira de nossa comodidade, nos arranca do conforto, do prazer de saborear uma deliciosa refeição, que nos tira do sério, revela quem realmente somos e qual a essência de nosso coração. Jejum, o poderoso espelho que reflete além das aparências externas.



R. B. Figueiredo