Um
espelho chamado jejum
Essa quaresma foi proveitosa e aprendi –
de modo pessoal – um grande valor escondido na prática do jejum. Já me
questionei inúmeras vezes o porquê de se jejuar, qual a lógica de “passar fome”,
pois desta vez encontrei um grande espelho na prática do jejum.
Mas, como assim um espelho?
Vejamos a partir de uma famosa frase de
C. S. Lewis (sim, o autor de Crônicas de Nárnia): “Se você está à procura de
uma religião que o deixe confortável, definitivamente eu não lhe aconselharia o
cristianismo”. Poderia encerrar a explicação por aqui, mas carece de mais.
Alguém poderia perguntar: “por que o cristianismo é uma religião que não me
deixará confortável? Que loucura! Eu sempre aprendi que o cristianismo é a
religião que prega o amor, que Jesus era um homem tão carismático e grandioso!”.
Sim, você está correto. Jesus realmente prega o amor. O problema é o que se
compreende por amar. O amor que Jesus prega é o amor ágape e a atitude de se submeter à kénosis (esvaziamento de si mesmo).
Assim como os Filósofos Gregos e os Espiritualistas
Egípcios, também os Padres da Igreja ensinavam que para conhecer a Deus é
preciso conhecer a si mesmo e o instrumental para isso é a kénosis. Qual a melhor forma de conhecer a si mesmo? Seria olhar
para si em um espelho que não reflita apenas superficialidades? Exatamente!
O relato do capítulo 4 de Mateus diz: “Jesus
foi conduzido ao deserto pelo Espírito, para ser posto à prova pelo diabo. Ele
jejuou durante quarenta dias e quarenta noites. Depois, teve fome. O tentador
aproximou-se e disse-lhe: ‘Se és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem
em pães!’ Ele respondeu: ‘Está escrito: Não se vive somente de pão, mas de toda
palavra que sai da boca de Deus’!”
A narrativa anterior é o batismo de
Jesus por João Batista e logo em seguida dá-se início à sua vida pública e o
anúncio do reino. Por que o Espírito é tão mal? Por que fez isso com Jesus?
Ora, somente na precariedade é que o homem demonstra verdadeiramente quem é,
qual a essência que domina seu coração, e, desnuda toda a imagem embaçada e
torta, a qual engana os olhos humanos. E Jesus demonstrou que estava pronto;
que a essência de seu coração era a palavra de Deus, a vontade do Pai. É muito
fácil ser caridoso e bom quando se está na comodidade, no conforto, quando não
há nada que te tire do sério: “Se amais somente aqueles que vos amam, que
generosidade é essa? Até mesmo os pecadores amam aqueles que os amam” (Lc 6,
32).
O cristianismo quando levado a sério
rompe com o véu que esconde o coração do homem e o introduz no templo, purificando-o
de sua animalidade. Esse processo é dolorido e nada confortável, o que explica
a frase de C. S. Lewis, mas além do sofrimento da Cruz está a ressurreição em
Cristo, está a vida eterna.
Portanto, quão poderoso é o jejum que
nos tira de nossa comodidade, nos arranca do conforto, do prazer de saborear
uma deliciosa refeição, que nos tira do sério, revela quem realmente somos e
qual a essência de nosso coração. Jejum, o poderoso espelho que reflete além
das aparências externas.
R. B. Figueiredo
Interessante o amor que Deus tem por nós, como nos conhece profundamente, sabendo da nossa dificuldade perceber nossas faltas nos ensinou uma forma de torná-las mais evidentes: o jejum. Bela reflexão Rafael!
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